sábado, 27 de agosto de 2011

PAZ ALGO BEM DISTANTE PARA A LÍBIA

Novos confrontos na Líbia assustaram a população neste sábado (27). O correspondente Marcos Uchôa está na capital Trípoli, onde ainda há combates.

Segundo o repórter, essa foi a noite mais barulhenta e com mais tiros que a equipe já presenciou na cidade. São tiros de calibres muito maiores, o que é um pouco estranho, porque os tiros de comemoração, em geral, são de armas menores
Durante a noite faltou luz por um longo perídodo. Foram horas sem luz, o que dá a impressão que alguns grupos pró-Kadhafi podem ter saído pela cidade e ocorrido combates.

Existem alguns relatos de moradores, também, de carros com homens pró-Kadhafi que estão passando pelas ruas matando pessoas. E o enorme depósito de armas em Bab al-Azizia que foi roubado. Muita gente levou armas, então a cidade está inundada de armas.

Os serviços essenciais estão terríveis. Todos os dias há falta de luz. O problema maior realmente é a água, já são quatro dias sem água. Mas falta tudo: remédios nos hospitais, por causa da falta de gasolina, o abastecimento acabou, as pessoas não vão mais ao trabalho. Mas também existe um círculo vicioso: as pessoas não querem ir ao trabalho, porque a situação está confusa, mas se elas não voltam ao trabalho, essa situação nunca se normaliza. O governo está com certos problemas e já convocou a população, inclusive, para voltar a trabalhar.

O hotel onde está hospedada a maior parte da imprensa internacional, a partir deste sábado (27), passa a ser a sede de reuniões do novo governo provisório da Líbia com os jornalistas. Todos os dias, eles vão prestar informações sobre o complicado processo de botar o país de pé.

Entre a quantidade de problemas que o novo governo provisório da Líbia tem, um deles, talvez o mais importante, é a segurança. Todo mundo queria saber, mas eles ainda não têm uma boa resposta em relação a Trípoli. O segundo problema é gasolina, combustível, sem isso, toda a economia da Líbia está parada.

Para os rebeldes que passam o tempo todo, não faltam nem balas nem gasolina. Mas e para as pessoas comuns? Todos os postos estão fechados. No entanto, se vê carros nas ruas, poucos em relação a tempos normais. Existe um lucrativo mercado negro e todo mundo tem que ter um bujão para abastecer o seu carro.

Em um dos postos, o dono diz que, apesar da promessa do novo governo de distribuir 30 mil toneladas de combustível ainda neste sábado (27), ele não sabe de nada.

A sede do que seria o Ministério do Petróleo em Trípoli é muito luxuosa. Kadhafi teve uma grande influência no mundo todo por uma coisa: ele foi o primeiro, em 1970, a desafiar as grandes companhias anglo-americanas, ao exigir a melhor divisão dos dividendos do petróleo. Outros países, depois, o copiaram, portanto, se a gasolina é cara, uma das razões foi o Kadhafi.

Os telefones quase não funcionam, o lixo está se espalhando pelas ruas e tem muita gente reclamando. Uma mulher diz: “Está tudo muito difícil, muito duro. Estão todos nervosos”.

O pedido para que as lojas abrissem nesse sábado quase não foi atendido. Um lojista abriu a lavanderia dele, algo quase simbólico, porque está faltando água na cidade há quatro dias.

Duas mulheres dizem que está tudo melhor sem Kadhafi, mas o que mais atrapalha a vida é mesmo não ter água em casa.

Mas alguns negócios estão começando a funcionar. Para um açougue, por exemplo, parecia um dia normal. As críticas a Kadhafi são as de sempre, mas existe um tom menos amargo e mais otimista. O dia do açougue está rendendo bem. Existem vantagens em se abrir a loja, quando todos os correntes estão fechados. De uma nota o açougueiro não gosta, a mais valiosa, a de 50, que ainda tem a cara de Kadhafi.

Sábado no mundo muçulmano é que nem a segunda-feira para a gente, e neste, tinha um pouco mais de pessoas nas ruas, principalmente nos mercados. As lojas, em sua grande maioria, estão fechadas, mas as poucas que abrem estão recebendo muita gente.

Mas os líbios estão tão contentes, que falam: estamos comendo, bebendo e respirando liberdade. E isso é o que conta, apesar de tudo que está faltando.
De repente uma confusão na rua. Muita gente rodeando um pequeno caminhão e mais gente chegando para ver. Foi um corre-corre danado porque os líbios estão fechados em casa desde sábado da semana passada. Agora, finalmente, tiveram oportunidade de encontrar legumes, verduras, tudo fresquinho, e puderam comprar o necessário para encher a barriga.

Uma coisa é certa: o problema da falta de gasolina e o pão nosso de cada dia está sendo resolvido por muita gente.

Mas é claro que Trípoli não é só isso. No topo de diversos prédios, existiram franco-atiradores, por isso, demorou tanto para os rebeldes dominarem a área. Só na sexta-feira (26) a situação ficou um pouco mais segura, mas ainda neste sábado, houve um certo clima de tensão.

Marcas nas paredes dão um pouco da ideia da violência dos últimos dias. Abu Slim é a área mais destruída, o bairro inteiro tem marcas do que foram os cinco dias de combate. O mercado de Abu Slim é um cenário e devastação, alguns homens acompanham a equipe. Ali, quase todo mundo é pró-Kadhafi.

Um deles mostra tudo: a maior parte das lojas era de roupas para mulheres. Surpreendentemente, ele diz: “Preciso que todos entendam que ninguém aqui está revoltado com o fogo, não é isso. A tristeza é com a morte das pessoas”. Ele faz um apelo: “Precisamos de paz. Parem a violência. Somos todos líbios”.

A paz é mesmo um produto de extrema necessidade.



http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/08/paz-e-mesmo-um-produto-de-extrema-necessidade-relata-uchoa-na-libia.html

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